Um texto do nosso colaborador e amigo
António Valente
El-Rei D. Duarte
e a Arte de Bem Cavalgar toda a Sela
D. Duarte é um dos
notáveis filhos de D João I e D. Filipa de Lencastre e a quem, no seu conjunto,
a história atribuiu o epíteto de Ínclita Geração. Juntamente com os seus
irmãos Pedro, Henrique, Isabel, João e Fernando faz parte de uma das famílias
que mais se destacou na sua época, Século XV, pelo seu elevado grau de
educação, valor militar, grande sabedoria, grandes feitos e elevada
predominância na vida publica do Reino.
D. Duarte, décimo
primeiro rei de Portugal, que a História cognominou de Eloquente, reinou
apenas 5 anos, entre 1433 e 1438, embora, por iniciativa de seu pai o Rei D.
João I, participasse na governação desde 1412. Tinha os pelouros da Justiça e
da Fazenda os quais, tal como hoje, eram na época dos mais complicados. Todavia
essas responsabilidades atribuídas pelo pai vieram dar-lhe desde muito cedo uma
sólida experiência que se iria refletir no seu curto reinado. A Lei cujo
objetivo era a defesa e conservação do património real, uma medida de
centralização do poder, e que ficou para a história como a Lei Mental, foi por
si mandada publicar quando das Cortes de Santarém em 1434. Uma figura
proeminente destas Cortes e que, segundo se crê, terá redigido e defendido a
aplicação desta Lei foi João das Regras. D. Duarte foi aliás um monarca sempre
preocupado com o direito, com a justiça, em gerar consenso. Convocou as Cortes
por cinco vezes ao longo do seu curto reinado de cinco anos. Várias vezes D.
João I tentou organizar uma colectânea que coordenasse e actualizasse as Leis
vigentes, para a boa fé e fácil administração na justiça. Viria mais uma vez a
ser D.Duarte, tal como já o havia feito com a Lei Mental a levar a cabo essa
obra, Essa colectânea, revista e concluída por seu irmão D. Pedro em 1446, no
reinado do seu filho, converter-se-ia nas Ordenações Afonsinas.
Mas, Duarte,
revelar-se-ia também como um homem muito interessado no conhecimento e na arte.
Escreveu vários livros de poesia e em prosa. Uma dessas obras foi O Leal
Conselheiro, um ensaio sobre variados temas, mas onde a moral e a religião
têm uma especial relevância. Outra obra, aquela que no contexto do blog campoarena
mais nos interessa é A Arte de Bem Cavalgar Toda a Sela o qual, na
forma de manual para os cavaleiros e nas palavras de Ruy de Pina se destinava: pera
os que costumarem andar a cavalo. Este livro, que ficou inacabado devido à
morte do rei seu autor, constitui um dos manuais mais antigos de hipismo e
Justa Equestre Medieval. Tal como muitíssimas obras de arte portuguesas que por
variadíssimas razões se encontram fora de Portugal, também o original deste
livro, manuscrito, se encontra em Paris, na Biblioteca Nacional de França.
D. Duarte procurou
nestas obras que os seus súbditos vivessem de forma virtuosa, enaltecendo a
máxima intemporal de uma mente sã em corpo são e, simultaneamente, criticando
os que levavam uma vida pobre de moralidades e vigor físico e: “ssomareamente
de homem a que convem teer boas bestas, a as saber bem cavalgar, se sseguem
estas sete vantagens: A primeira, seer mais prestes pera servir seu senhor, e
acudir a muytas cousas que lhe acontecer poderóm de sua honra e proveito. A
segunda, andar folgado. A terceira, honrado. A quarta, guardado. A quinta, ser
temydo. A sexta, ledo (alegre confiante). A ssétima, acrecenta mayor e
melhor coração".
Não tendo conseguido
obter a obra completa já li, no entanto, alguns capítulos desta obra. Pela sua
actualidade e pertinência de alguns dos conselhos do Soberano, não resisto a
apresentar-lhes alguns passos que podemos encontrar no capílo V parte II:
... É de saber que
para ensinar um moço ou outro alguém que queira aprender esta arte, que logo no
começo lhe devem dar uma besta muito sã, sem malícia, e seja bem admoestada do
freio, cilhas, estribeiras e sela. E não lhe mandem outra coisa senão que se
aperte com ela e se tenha bem por qualquer forma que lhe dê mais jeito.
Mais à frente: … façam-lhe usar de andar frequentemente de besta, e pelo
tempo predeterminado; e corra e salte algum salto que seja seguro: e o que eu
entendo por salto seguro, é um salto sobre alguma trave, ou outro grosso pau,
que deitado em bom chão, e que salte trazendo o cavalo a galope; e devem
avisá-lo do que é necessário fazer, conforme o que já escrevi. E assim use em
tal besta até que perca todo o medo. Mais à frente ainda: usando assim boas bestas, algumas vezes
cavalgue em outras que não sejam perigosas mas provem malícias, assim como
empinar, escoicear, e outras semelhantes, e que sejam fogosos; e corra sem
estribos, e prove outras coisas tais, para que se aperceba do que lhe pode
acontecer.
Finalmente, para
aqueles que por curiosidade queiram dar uma olhadela num texto que, segundo
creio, está muito próximo do original escrito por D. Duarte, aí vai:
70 liNSSYNANÇA
OU muvio alta, ou baixa, ou derribada a
cabeça, e rostro sobre alãça, ou inuyto alta pêra detrás, e quem abe quiser
leuar gfuardasse detodos estes erros, e le- ualla ha como amym parece que he
melhor. E alguus em justando cõliuuauâ sêpre dar cõ as sporas ao cauallo
abalando as perjias atee os êcôtros, e aquesto he feo , e faz mais fraco
ojustador, por em este têpo de- uesse dedar cõ as sporas poucas uezes , e ryjo
ou pas- so segundo abesta for, e os têpos em q lhe deuê dedar som estes; huu ao
aballar pêra afazer entrar na quelle galope , ou correr como lhe mais praz que
le- ue , e outra uez tãto que assessegar auara de soo braço, e dally auãte iiõ
bullyr mais cõ os pees , nê per- nas alaa q passem os econtros , se abesta anda
comodeue, ca se ella âtepara ou se desuya, cõuem que per necessidade q afaçom
sayr aas sporas Em justa custumâ em esta terra laçar auara aamaão ezquerda, e
aa- niaâo dereita, e se for aamaão ezquerda deuesse dar ajuda, e balâço do bãzear
do corpo peraa quella parte Jeuãtando bê obraço dereito, e leixalla yr cõtra
trás, se aparte dereita aquiser laçar omelhor e mais seguro peràssy, e os q
estam na tea he comoa leuantar laçar apõta pêra iras e ocõto pêra diãte E
desque ãbos es- tes geitos se trazem ê custume , amaâo , corpo , e braço filham
dello tal meestria que sem trabalho ofazê, como hufi boo tãgedor q os dedos lhe
uaão aas cor….
Bibliografia:
MATTOSO José, Direção, História de Portugal, 2º Volume, Lisboa, Circulo de Leitores, 1993, pp. 500 – 505.
RUY DE PINA, Cronica d'el-rei dom Duarte, capítulos III e XLIV;
https://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_da_Ensinan%C3%A7a_de_Bem_Cavalgar_Toda_Sela