quarta-feira, 25 de março de 2020

Um texto do nosso colaborador e amigo
António Valente


El-Rei D. Duarte
 e a Arte de Bem Cavalgar toda a Sela

D. Duarte é um dos notáveis filhos de D João I e D. Filipa de Lencastre e a quem, no seu conjunto, a história atribuiu o epíteto de Ínclita Geração. Juntamente com os seus irmãos Pedro, Henrique, Isabel, João e Fernando faz parte de uma das famílias que mais se destacou na sua época, Século XV, pelo seu elevado grau de educação, valor militar, grande sabedoria, grandes feitos e elevada predominância na vida publica do Reino.

D. Duarte, décimo primeiro rei de Portugal, que a História cognominou de Eloquente, reinou apenas 5 anos, entre 1433 e 1438, embora, por iniciativa de seu pai o Rei D. João I, participasse na governação desde 1412. Tinha os pelouros da Justiça e da Fazenda os quais, tal como hoje, eram na época dos mais complicados. Todavia essas responsabilidades atribuídas pelo pai vieram dar-lhe desde muito cedo uma sólida experiência que se iria refletir no seu curto reinado. A Lei cujo objetivo era a defesa e conservação do património real, uma medida de centralização do poder, e que ficou para a história como a Lei Mental, foi por si mandada publicar quando das Cortes de Santarém em 1434. Uma figura proeminente destas Cortes e que, segundo se crê, terá redigido e defendido a aplicação desta Lei foi João das Regras. D. Duarte foi aliás um monarca sempre preocupado com o direito, com a justiça, em gerar consenso. Convocou as Cortes por cinco vezes ao longo do seu curto reinado de cinco anos. Várias vezes D. João I tentou organizar uma colectânea que coordenasse e actualizasse as Leis vigentes, para a boa fé e fácil administração na justiça. Viria mais uma vez a ser D.Duarte, tal como já o havia feito com a Lei Mental a levar a cabo essa obra, Essa colectânea, revista e concluída por seu irmão D. Pedro em 1446, no reinado do seu filho, converter-se-ia nas Ordenações Afonsinas.

Mas, Duarte, revelar-se-ia também como um homem muito interessado no conhecimento e na arte. Escreveu vários livros de poesia e em prosa. Uma dessas obras foi O Leal Conselheiro, um ensaio sobre variados temas, mas onde a moral e a religião têm uma especial relevância. Outra obra, aquela que no contexto do blog campoarena mais nos interessa é A Arte de Bem Cavalgar Toda a Sela o qual, na forma de manual para os cavaleiros e nas palavras de Ruy de Pina se destinava: pera os que costumarem andar a cavalo. Este livro, que ficou inacabado devido à morte do rei seu autor, constitui um dos manuais mais antigos de hipismo e Justa Equestre Medieval. Tal como muitíssimas obras de arte portuguesas que por variadíssimas razões se encontram fora de Portugal, também o original deste livro, manuscrito, se encontra em Paris, na Biblioteca Nacional de França.

D. Duarte procurou nestas obras que os seus súbditos vivessem de forma virtuosa, enaltecendo a máxima intemporal de uma mente sã em corpo são e, simultaneamente, criticando os que levavam uma vida pobre de moralidades e vigor físico e: “ssomareamente de homem a que convem teer boas bestas, a as saber bem cavalgar, se sseguem estas sete vantagens: A primeira, seer mais prestes pera servir seu senhor, e acudir a muytas cousas que lhe acontecer poderóm de sua honra e proveito. A segunda, andar folgado. A terceira, honrado. A quarta, guardado. A quinta, ser temydo. A sexta, ledo (alegre confiante). A ssétima, acrecenta mayor e melhor coração".

Não tendo conseguido obter a obra completa já li, no entanto, alguns capítulos desta obra. Pela sua actualidade e pertinência de alguns dos conselhos do Soberano, não resisto a apresentar-lhes alguns passos que podemos encontrar no capílo V parte II:

... É de saber que para ensinar um moço ou outro alguém que queira aprender esta arte, que logo no começo lhe devem dar uma besta muito sã, sem malícia, e seja bem admoestada do freio, cilhas, estribeiras e sela. E não lhe mandem outra coisa senão que se aperte com ela e se tenha bem por qualquer forma que lhe dê mais jeito. Mais à frente: … façam-lhe usar de andar frequentemente de besta, e pelo tempo predeterminado; e corra e salte algum salto que seja seguro: e o que eu entendo por salto seguro, é um salto sobre alguma trave, ou outro grosso pau, que deitado em bom chão, e que salte trazendo o cavalo a galope; e devem avisá-lo do que é necessário fazer, conforme o que já escrevi. E assim use em tal besta até que perca todo o medo. Mais à frente ainda:  usando assim boas bestas, algumas vezes cavalgue em outras que não sejam perigosas mas provem malícias, assim como empinar, escoicear, e outras semelhantes, e que sejam fogosos; e corra sem estribos, e prove outras coisas tais, para que se aperceba do que lhe pode acontecer.
Finalmente, para aqueles que por curiosidade queiram dar uma olhadela num texto que, segundo creio, está muito próximo do original escrito por D. Duarte, aí vai:

70 liNSSYNANÇA

OU muvio alta, ou baixa, ou derribada a cabeça, e rostro sobre alãça, ou inuyto alta pêra detrás, e quem abe quiser leuar gfuardasse detodos estes erros, e le- ualla ha como amym parece que he melhor. E alguus em justando cõliuuauâ sêpre dar cõ as sporas ao cauallo abalando as perjias atee os êcôtros, e aquesto he feo , e faz mais fraco ojustador, por em este têpo de- uesse dedar cõ as sporas poucas uezes , e ryjo ou pas- so segundo abesta for, e os têpos em q lhe deuê dedar som estes; huu ao aballar pêra afazer entrar na quelle galope , ou correr como lhe mais praz que le- ue , e outra uez tãto que assessegar auara de soo braço, e dally auãte iiõ bullyr mais cõ os pees , nê per- nas alaa q passem os econtros , se abesta anda comodeue, ca se ella âtepara ou se desuya, cõuem que per necessidade q afaçom sayr aas sporas Em justa custumâ em esta terra laçar auara aamaão ezquerda, e aa- niaâo dereita, e se for aamaão ezquerda deuesse dar ajuda, e balâço do bãzear do corpo peraa quella parte Jeuãtando bê obraço dereito, e leixalla yr cõtra trás, se aparte dereita aquiser laçar omelhor e mais seguro peràssy, e os q estam na tea he comoa leuantar laçar apõta pêra iras e ocõto pêra diãte E desque ãbos es- tes geitos se trazem ê custume , amaâo , corpo , e braço filham dello tal meestria que sem trabalho ofazê, como hufi boo tãgedor q os dedos lhe uaão aas cor….

António Valente

Bibliografia:
MATTOSO José, Direção, História de Portugal, 2º Volume, Lisboa, Circulo de Leitores, 1993, pp. 500 – 505.
RUY DE PINA, Cronica d'el-rei dom Duarte, capítulos III e XLIV;
https://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_da_Ensinan%C3%A7a_de_Bem_Cavalgar_Toda_Sela