António Valente, um leigo que nada sabe sobre cavalos.

Perguntar-me-ão o porquê de no início de mais um texto sobre o cavalo, solicitado pelo meu caríssimo amigo João Duarte eu me referir a um Deus. Simples, a razão prende-se no facto das imagens de Odin o mostrarem sempre montado num corcel, negro, com oito patas, com o nome de Splipenir e que gozava da fama de ser o mais veloz do mundo.
Como é sabido, o cavalo teve uma enorme importância na história do homem, como seu companheiro nas lutas, na defesa das terras, nas deslocações e, muitas vezes, como a única fortaleza de que dependia a sua sobrevivência. Por tudo isto, a mística do cavalo está associada ao uso do poder, do movimento e da liberdade, a sua imagem é sempre associada às qualidades mais nobres do Homem.
Começámos por Odin, um “Deus” quase desconhecido da maioria de todos nós, mas podemos referir muito mais:
Nas quatro obras “Vedas”, Escrituras Sagradas Hindus, Surya, o Deus Sol é sempre representado acompanhado de muitos cavalos.
Epona, na Tradição Celta, era uma protetora de cavalos. Era particularmente uma deusa da fertilidade, como mostram os seus atributos numa pátera, espécie de prato longo e raso, ou a presença de potros nalgumas esculturas, sugerindo que a deusa e seus cavalos eram líderes da alma na condução ao além-túmulo.
Pátera da Apúlia, século III a.C.,
atualmente em Kiel.
Fotografia de Marcus Cyron
Por sua vez, para os nativos Norte Americanos o cavalo é o símbolo da
força, do poder divino e espiritual e, na Medicina Xamã, é o primeiro modelo que
dá força para alcançar a liberdade da Alma. Mas, prosseguindo com Astrologia
Ocidental, o Centauro simboliza o signo de sagitário e representa a síntese
dinâmica do homem que busca o conhecimento para elevação do ser humano,
transcendendo sua natureza animal para alcançar a realização espiritual. Já para
os Astrólogos Chineses, o signo do cavalo confere às pessoas qualidades tão
distintas como cuidado, dedicação, disciplina, determinação, coragem e arrojo,
qualidades associadas a esse animal.
E na Grécia Antiga? Na civilização Grega aparecem talvez as simbologias
associadas ao cavalo que nos são mais familiares. Quem não está a imaginar
desde já o Centauro, o cavalo alado (imagem
de eu mais gosto, sabe-se lá porquê!...). Esta figura metade cavalo e metade
homem que representa o nosso lado espiritual e humano. Eram seres dotados de
muita força física, espécie de monstros, porém com algumas características
humanas. De acordo com o imaginário mítico na Antiguidade, a parte inferior dos
centauros (cavalo) era a responsável pela força física, brutalidade e impulsos
sexuais. A parte superior (homem) era mais racional, com capacidade de analisar
e refletir. Os Centauros eram, portanto, seres que representavam os conflitos mais
característicos dos seres humanos: a razão, a emoção e a violência. Na cultura
popular são criaturas sábias, nobres, têm o dom da profecia e da cura, gostam
de lutar, uma raça feroz e valente, mas sempre fiel.
Desconhecido - Photographed by
w:en:User:Adam Carr
Quem não conhece o Cavalo de Tróia, uma criação lendária retratada como
um grande cavalo de madeira, criado pelos gregos como uma artimanha decisiva
para a ultrapassar as muralhas da cidade fortificada de Tróia. Os troianos carregaram-no
para dentro da cidade como um símbolo de sua vitória, desconhecendo que no seu
interior, sorrateiramente, se escondia o inimigo. A lenda acabou por dar origem
a duas conhecidas expressões idiomáticas: "cavalo de Tróia",
significando uma cilada, um engodo, ou outra ainda, designada como "presente
grego", algo recebido como aparentemente agradável mas, que depois acarreta
consequências funestas.
Finalmente um poema lindíssimo de Clarice
Lispector, uma escritora e jornalista ucraniana naturalizada brasileira:
“Existe
um ser que mora dentro de mim como se fosse a cada dele, e é.
trata-se
de um cavalo preto e lustoso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca
morou antes em ninguém
nem
jamais lhe puseram rédeas nem sela
apesar
de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem
medo:
come
às vezes na minha mão.
Seu
focinho é úmido e fresco.
eu
beijo o seu focinho.
quando
eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito.
a
menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo
que é ao mesmo tempo salvagem e suave.
aviso
que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome.
ou
não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.
se
ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai.
aviso
tambem que nao se deve temer seu relinchar:
a
gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou
de cólera,
a
gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.”
Um pensamento para finalizar:
“O
cavalo, como todo mundo sabe, é a parte mais importante do cavaleiro.”
Jean
Giraudoux