Publicamos um artigo, de máximo interesse, assinado pelo Dr. Joaquim Grave
REFLEXÃO SOBRE O TOIRO
BRAVO
Esta
reflexão que aqui vos deixo, não é mais do que um grito de alerta em defesa de
um animal, o toiro bravo, que amo com todas as minhas forças e energia
intelectual e, tristemente, vejo esquecido e atacado, resultado de uma
ignorância que apedreja a história e a cultura portuguesa. Mas como incorrigível
optimista que sou, sempre com a esperança que, aqueles que governam este país,
o entendam, o percebam como um verdadeiro guardião da biodiversidade.
O
momento que a tauromaquia vive é a todos os títulos dramático e para muitos
profissionais insustentável. Devemos compreender de forma clara ao que é que
nos enfrentamos, que tempos vivemos e o que está em jogo.
A globalização, que na essência me parece ter muitos
aspectos positivos, matou ou feriu gravemente a cultura de identidade de cada país ou cada região. É
doentio, do ponto de vista do humanismo, impor como progresso uma proibição ao
outro, um repúdio aos toiros, à caça, à pesca,
à relação homem/animal. A globalização na cultura,
é uma realização plena e completa de uma tendência que pretende uma única forma
de sentir e perceber a vida. Planificar uma sociedade de religião ou não
religião única, ou de moral única, ideologicamente homogéneas é uma atrocidade
para a própria Cultura. Porque as culturas de
cada lugar dão sentido às gentes, à história, à sociedade, às formas de
relações humanas de cada lugar.
Mas,
reconhecida que está a sensibilidade actual da sociedade para com os animais,
há que compatibilizar e harmonizar o modo de pensar contemporâneo com a
Tauromaquia. E aqui temos um argumento de peso, uma razão vital. Não me canso
de dizer que o futuro do toureio estará a salvo quando a nossa realidade
ecológica imprescindível seja conhecida, compreendida, aceitada e positivada
pela sociedade portuguesa. As novas gerações internacionais sensibilizaram-se
com um trabalho de sustentabilidade do planeta que a tauromaquia encerra e
transporta dentro de si. Mas que se desconhece. Esta é a nossa arma secreta e
por muito que nos surpreenda, ninguém a conhece. Hoje não nos reconhecem como
ecologistas, mas sim como mal tratadores de animais. No caso do toiro bravo a
aspiração ecologista de que todo o animal habite o espaço próprio que exige a
sua natureza, cumpre-se sobradamente e podemos afirmar que o seu status
é único no mundo, muito superior ao das reservas africanas de animais
selvagens, uma vez que o ganadero de bravo complementa a sua alimentação
em épocas de seca extrema e controla regularmente o seu estado sanitário em
cumprimento das escrupulosas disposições europeias. A sua perigosidade
converte-o em guardião dos bosques, neutralizando a incursão de caçadores e
recolectores furtivos, pirómanos e turistas urbanos, dando, no entanto,
hospitalidade e segurança a bandos de aves migratórias e outras espécies
silvestres muitas delas em perigo de extinção. Portanto, temos uma defesa de
uma biodiversidade sempre actual e desejada.
As
ganadarias de bravo contribuem na luta contra a alteração climática porque os
montados são sequestradores de CO2 e fontes produtoras de oxigénio. A criação
do toiro bravo supõe ainda uma barreira contra os incêndios porque a constante
vigilância dos animais e as características de acesso às explorações dificultam
a deflagração e expansão dos mesmos. E também evitam o furtivismo e limitam o
acesso ao maior predador: o homem.
Como
afirma Carlos Ruíz Villasuso. pode acontecer que o toureio não se mantenha pela
arte do toureio, mas sim pela arte da ecologia. Que ninguém pense que pela
cultura, pelo culto chegaremos a um futuro melhor. O culto é o oculto. A
cultura hoje significa tão pouco nesta sociedade que, se Manolete nos parece um
personagem mítico saído de um quadro de El Greco, para a maioria social nova e
manipulada que não sabe sequer quem foi El Greco, Manolete é só um tipo que
matava animais. Ninguém já lê Llorca, seguem os passos de uma tal Greta. Vamos
por aí, joguemos esse jogo social, porque aí ganhamos por goleada. A arte de
bem tourear, como a cultura, é para paladares sensíveis, mas minoritários, sim
muito sensíveis. É uma arte culta.
O
toureio, no actual panorama social e político, não se irá manter pelo homem,
mas sim pelo animal: o toiro. Parafraseando Ramón García Aragón, o toiro bravo é uma força da
natureza e sinónimo de liberdade. Não é um animal de companhia nem um peluche.
É uma criatura impetuosa, forte e indómita que vive e morre segundo seu
instinto natural. É sinónimo de liberdade, de horizontes e espaços abertos;
natureza em estado puro. Além do paraíso em que vive, goza de privilégios que
nenhum outro animal tem. O homem do campo vigia-o e cuida-o durante toda a sua
existência. Ninguém ama mais o toiro bravo do que aquele que o viu nascer e o
cuida. Cada toiro tem nome próprio e uma história familiar ao longo de
gerações, não se trata de 500 ou 600 kgs de carne para o matadouro. Não é
quantidade, é qualidade.
A ganadaria brava e o mundo rural em geral
sofrem actualmente uma agressão brutal baseada numa falsidade e manipulação ao
serviço de interesses espúrios e ditatoriais. Para eles, este animal e o
paraíso natural onde vive nada importa em realidade. Utilizam-no somente para
outros fins porque não o conhecem nem o amam.
A ganadaria brava não pode acabar num túnel
escuro de um matadouro, seria um final sórdido e humilhante, o sentido da sua
vida é a lide que lhe dá uma dimensão heroica. O toiro bravo é arte e,
portanto, também é cultura e é liberdade. A sua destruição é um massacre
cultural e ecológico.
Devemos,
portanto, anteciparmo-nos à possível jogada de bastidores políticos, cuja
habilidade para mudar os direitos constitucionais a seu gosto, alguns políticos
de uma escassa minoria parlamentar já demonstraram grande apetência. Por isto
mesmo, os nossos direitos devem basear-se, mais para além de uma lei que existe,
mas que incrivelmente não se aplica, não nos defende e que pode ser
manipulável, deve basear-se dizia, numa realidade de um ecossistema, o
ecossistema do toiro bravo, que tem uma relevância de primeira ordem a nível
histórico, antropológico, cultural, social, turístico, económico, artístico e
de meio ambiente em Portugal.
Repudio
e renego a sociedade sem alma dos animalistas. Uma sociedade sem alma onde o
bem não admite outro bem que não seja a sua ideia de bem. A ideia do bem-estar
único é Hitler, Stalin, sim. Deles. De Bin Laden e Maduro. Sim. A ideia de que me
hão de impor um modelo de sociedade único como única lei e moral e única verdade
recorda-me o malfadado sectarismo histórico que perseguiu a inteligência do
humanismo. Que perseguiu a liberdade de pensamento. O sectarismo intolerante
dos partidos políticos portugueses que defendem o animalismo e ambicionam impor
a sua lei, deve ser travado com toda a determinação pela maioria democrática e
tolerante. Assisto estupefacto às ameaças de perseguição e regulação
administrativa que sofre a festa dos toiros e todos aqueles que não encaixam na
moral única desta nova raça de inquisidores que possuem a sua própria cruz
gamada.
Temos
sempre que colocar o humanismo à frente do animalismo; ainda há pouco,
escutando o cardeal Tolentino de Mendonça, uma das mentes mais brilhantes de
Portugal, no discurso do 10 de Junho, ele afirmava “... a comunidade
desvitaliza-se quando perde a dimensão humana, quando deixa de colocar as
pessoas no centro...”
O facto de ser
aficionado à festa dos toiros, nunca ofuscou a minha curiosidade sobre as
questões éticas ligadas à relação homem/animal na tauromaquia e de
considerá-las extremamente importantes. Seria de todo imprudente, que aqueles
que conhecem a corrida não se preocupassem do estatuto ético do animal e
deixassem o terreno desta reflexão, àqueles que a não conhecem. Em realidade,
para se emitir uma opinião fundamentada sobre qualquer questão, neste caso um
espectáculo, é necessário entendermos esse mesmo espectáculo. Os que à priori se negam ao seu entendimento,
evocando um excesso de sensibilidade, podem presumir do que quiserem menos de
entendimento. Poderão presumir se quiserem, de uma sensibilidade instintiva,
primária, rudimentar, no fundo reflexa como a de um animal qualquer e reflectem
mais depressa um déficit de sensibilidade do que, como afirmam, um excesso de
sensibilidade.
Nas
cidades já não existe a palavra ganadero e a de agricultor é uma
relíquia! E tudo porque a paixão foi desterrada das nossas vidas. O homem cada
vez mais, é um aspirante a ser um ninguém. Só com paixão se pode vencer o medo
a fracassar. A paixão não
é rentável, mas é algo extraordinário! Séneca, o mais estoico dos filósofos,
disse que um homem sem paixão
está tão perto da estupidez que só lhe falta abrir a boca para nela
cair. Esta forma de nos mentirem para nos proteger. Este modo de domesticar
a vida e a morte. Essa forma de ocultar a paixão não vá acontecer, que
seja boa e peçamos bis. A mesma forma de nos subtraírem a dor. Porque dói.
Esta é uma
sociedade onde não têm lugar os poetas, a literatura, a pintura, o génio, o
carácter, o talento, o medo e o valor. Um homem de
literatura como Miguel Delibes disse que “a Cultura nasce nas vilas e
aldeias e destrói-se nas cidades”. Décadas antes um genial García Lorca
tinha afirmado que “as vilas e aldeias são livros. As cidades, jornais
mentirosos”. Manter a Festa dos Toiros é, entre outras coisas, uma forma de
conter a fuga das gentes das aldeias tão abandonadas de vida e de fé em si
mesmos. Numa aldeia, o povo possui uma cultura nobre, humana e incorrupta.
Numa
época onde o correcto é a fronteira dos êxitos só posso “mandar às urtigas” o
correcto. O atávico deve manter-se sempre para que o ser humano não seja uma
invenção da sua intenção de endeusar-se, de ser protector de um mundo que nós
mesmos estamos destruindo impondo-o ao ser humano tecnologicamente abúlico,
ditando normas do que deve ou não existir para ser um ser humano; e nisso cai a
obsessão de acabar com o toiro bravo.
O
homem empenha-se em repudiar tudo o que o perturba. Estamos a insistir em
prescindir de tudo aquilo que resulta embaraçoso para uma moral inflexível e
única, rígida e granítica. Uma sociedade que se desembaraça daquilo que a
agita, converte-se num rebanho de borregos.
Nunca
vi uma sociedade que tolera tudo o que lhe mandam fazer e tão intolerante com
aquilo que os que mandam dizem para não tolerar. Nunca vi uma comunicação
social tão vendida e alinhada à nova ordem mundial. Viver sob o tecto sombrio
do aceitado é não aceitar que somos capazes de ter inteligência e criatividade.
Liberdade. Todas as artes, liturgias ou criações são imperfeitas porque a
perfeição só existe na mentira. A perfeição é a mais abominável das imposturas,
é o fim do ser humano. Um toiro bravo e um toureiro, uma arena com o seu
público, são o mundo imperfeito, selvagem por ser sensível, puro por ser
verdadeiro, porque na arena tudo é verdade, morre-se de verdade,
não se representa. Não é o animal toiro que desajusta a sociedade, é o animal
homem que a deixa perplexa: a morte que pode acontecer numa arena. Tão
irracional?! Que os assusta. Pois é precisamente isso que engrandece a
Festa dos toiros, é precisamente isso que esta sociedade doente não entende.
O toureio é
pura actividade apaixonada sem explicação razoável ou cartesiana ou lógica ou
matemática. O toureio não oculta o que esta sociedade oculta porque não domina,
porque lhe dá medo: a vida e a morte. A paixão pode matar, mas seguramente faz
viver. E isso, a esta sociedade, dá-lhe pânico.
Meus
amigos, escondermo-nos não tem afinidade nem com o toureio, nem com os
aficionados, nem com os jornalistas. Pepe Alameda escreveu que o toureio não é
uma graciosa fuga, mas sim entrega apaixonada. E é bom que as pessoas tomem
consciência que isto do toureio não mancha nem suja e é muito digno e mais
culto e sensível que muitas das artes bem subsidiadas pelo estado. E não
esqueçam que os inimigos do toureio jamais viveram ou viverão nem do seu
talento, nem da sua valentia, mas sim do nosso medo atávico e histórico.
Poderão
proibir-nos as flores, mas não deterão a primavera!
Galeana,
Junho de 2020